quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

BAIXO NÍVEL DE APROVEITAMENTO EM CAMPO FRACO

BAIXO NÍVEL DE APROVEITAMENTO EM CAMPO FRACO

Os potenciais da Amazônia, vistos como promissores, estão sendo superestimados, se levados em conta fatores ambientais: ou são usinas de fio d’água, incapazes de constituir estoques de energia, ou são usinas de baixa altura que, para produzir energia de modo eficaz necessitam de reservatórios imensos. Subutilização ou “Low Profile” é a melhor maneira de ter energia de baixo custo e de preservar a floresta, sem gastar os recursos da natureza. Mesmo subutilizada a Região Amazônica continuará a fornecer energia barata capaz de suprir as necessidades próprias e ao mesmo tempo produzir insumos básicos por eletrólise de minérios, abundantes na região, e cujo aproveitamento não conflita com o meio ambiente.
Não é difícil mostrar que reservatórios não só são ambientalmente incorretos na região Amazônica, como impraticáveis tecnicamente. Tomemos como exemplo o reservatório de Furnas (1440 Km² de superfície alagada), que junto com Itumbiara (780 Km²) é o responsável pela maior parte do estoque de energia do Sistema Sudeste-Sul. O estoque de energia pode ser calculado pela expressão:
Estoque de energia ~ Volume armazenado X altitude
Como: Volume armazenado ~ Superfície alagada X Altura local
Resulta: Estoque de energia ~ Superfície alagada X Altura local X altitude
Os fatores altura e altitude são determinantes na constituição de estoques de energia. Como a altitude é um fator físico predeterminado, qualquer barragem só produz superfície alagada e custos sem produzir estoque de energia. Ainda que fosse aceitável a mesma superfície alagada de Furnas, o volume de água armazenado seria minúsculo e o estoque de energia desprezível.
Ordinariamente, os reservatórios da região amazônica têm o formato de uuuuuu alongado, rasos e largos, com elevada relação superfície/altura em relação aos reservatórios do Sudeste, Furnas e Itumbiara, que tem formato de V, estreitos e profundos, com baixa relação superfície/altura para o mesmo volume armazenado. Em outras palavras: a superfície de alagamento é inversamente proporcional à alturas de queda. Para ter o mesmo volume do reservatório de Furnas a área inundado em Jirau no Rio Madeira seria cerca cinco vezes maior, o que seria impensável. Ainda que fosse possível, a energia armazenada — produto do volume pela altitude — seria muitas vezes menor ou quase nada. Conclusão, feitos novos estudos para contemplar exigência dos ambientalistas acabou prevalecendo o bom senso: a área inundada foi substancialmente reduzida para cerca de 250 km² e o custo da barragem e reservatório praticamente deixaram de existir. A altura da barragem foi reduzida a dimensão necessária apenas para alojar as turbinas de bulbo e conter o vertedor dentro dos limites do rio. Para surpresa geral o lance dos consórcios vencedores da licitação ficou muito aquém dos limites máximos estabelecidos, como era de se esperar (78 e 71 R$/Kwhora, respectivamente a Jirau e Santo Antônio). Quais as lições que podemos tirar deste acontecimento inusitado?
1. Que não existe um conflito entre os ambientalistas — considerados idealistas e contrários ao progresso — e aqueles que se autodenominam progressista, como veiculado na mídia. Este é um falso dilema. Não é uma questão de vontade realizar o progresso. São fatos objetivos que o impedem: o campo gravitacional é pobre, só isso. Devemos reconhecer, entretanto, que foi graças ao trabalho persistente dos ambientalistas e da resistência dos habitantes da floresta que se tornou possível uma solução de consenso, com menor custo dos empreendimentos, inclusive ambiental.
2. A licitação da usina de Belo Monte, anunciada para este ano de 2009, promete surpresa maior, posto que seja talvez um dos últimos potenciais de grande qualidade da Amazônia. Novas controvérsias poderão surgir, uma vez que o novo projeto prevê diminuição da superfície inundada para cerca de 500 Km² (10 por 50 km), o que não deixa de ser auspicioso. Por outro lado, inclui um desvio do Rio Xingu e uma nova pequena usina de bulbo. Acreditamos que a área inundada possa ser ainda mais reduzida, pelo fato de tratar-se de uma usina de foz que, obviamente, não traz nenhum beneficio às usinas de montante.
3. Os reservatórios da Amazônia não armazenam energia. Logo, se os custos de barragem e reservatório forem reduzidos ao mínimo, os únicos custos incidentes serão, praticamente, aqueles relativos ao equipamento, turbina e gerador. Nesta condição a turbina de bulbo é imbatível comparativamente a turbina de vento. O custo de vertedores é uma parcela constante, projetada em qualquer caso para vazões seculares.
4. Os técnicos da Eletrobrás que foram extremamente competentes ao definir o sistema integrado do Sudeste projetam alongar a vida de um sistema de fonte única hidroelétrica ao repetir na Amazônia a mesma estratégia de sucesso utilizada no Sudeste com o emprego de reservatórios de acumulação. A integração elétrica é possível com envio de energia, mas, a integração elétrica por si só, não transfere estoques.
5. O fato mais importante que decorre das considerações acima é o reconhecimento de que o campo gravitacional na “Bacia Amazônica” é fraco e não pode produzir mais do que a soma simples de cada potencial individual, cuja produção energética total pode ser conhecida “a priori” por simples inventário. A interligação elétrica entre usinas não é condição suficiente para tornar o sistema “integrado” na acepção da palavra, tal como acontece no sistema da região Sudeste onde há ligação física entre os rios componentes da bacia, possibilitando a troca de estoques de energia. Em “teoria de sistemas” dizemos que os rios da Amazônia têm pouca “sinergia”.
6. Em termos comparativos o total de energia que pode ser gerada, em Megawatts médios, é menor do que a produzida no Sistema Elétrico do Sudeste, que tem muito menos água. Os potenciais da Amazônia podem ser equipados para produzir potência, mas, cessadas as enchentes, as turbinas ficam ociosas, não produzindo energia. “O imenso potencial energético da Amazônia” não passa de um mito criado pelo “ufanismo”. Somente o uso inteligente dos recursos potenciais da Amazônia pode levar a resultados positivos quando conjugados com a produção de comodities metálicas de alto valor agregado em lugar da exportação de minérios ou exportação de energia.
7. Aqueles dentre nós que tiveram a sorte de viver a experiência da construção do Sistema Elétrico do Sudeste podem constatar hoje — com o sistema praticamente completo — a extrema habilidade dos técnicos da Eletrobrás na condução do seu planejamento. É bem verdade que encontraram um sistema — singular e único no mundo — de rios interiores de forte integração regional, que foi a principal causa do extraordinário sucesso do Sistema Elétrico Brasileiro na segunda metade do século passado. Junto com Estados Unidos, Canadá e a antiga União Soviética, o Brasil foi dos países que mais soube tirar proveito do seu sistema ao projetá-lo com uma visão geral antes mesmo que a moderna “Teoria de Sistema” estivesse plenamente estabelecida. Nos países citados o Sistema é regionalizado e complementado por térmicas. Mas o Brasil pagou um preço elevado pela intuição dos técnicos. O fato de não ter petróleo para complementação térmica levou a um extremo endividamento externo pela concentração de capital em empreendimentos hidroelétricos de grande porte (ver “Energia para o desenvolvimento”, trabalho premiado de José Goldemberg, 1980). Só para se ter uma idéia é bastante comprovar que no curto período de 25 anos o Brasil já havia concluído a maioria dos potenciais disponíveis e o petróleo ainda não subira de preço. A recente instalação das duas últimas turbinas de Itaipu encerrou, praticamente, o planejamento do sistema na região Sudeste-Sul. Para comprovar a “grande sinergia” do Sistema Sudeste, basta observar que os reservatórios de Furnas e Itumbiara constituíram imenso estoque antecipado de energia e capital, cujos efeitos permaneceram ativos até os dias de hoje. Durante um longo período o Sistema permaneceu incólume, com um único “apagão” em 2001, que poderia ter sido evitado com um mínimo de usinas termoelétricas.
8. Estamos tão seguros de que a subutilização (não otimização) dos potenciais da Amazônia é o melhor caminho a trilhar nas próximas décadas que não temos nenhuma dúvida de que as usinas de bulbo acabarão dominando o contexto da maioria dos potenciais dos rios da Amazônia. A proliferação indiscriminada dessas usinas pode levar o país a incidir no mesmo erro do passado, isto é, investimento de capital na construção simultânea de várias usinas com a finalidade de assegurar energia, quando existem estratégias mais seguras de manter “energia garantida” com baixo investimento.
9. A abordagem de cada sistema é bastante distinta pelas suas peculiaridades inerentes: O sistema Sudeste foi projetado para vazões mínimas correspondente à média do “período crítico”, enquanto o sistema Norte está sendo projetado por vazões máximas (média do período chuvoso), ignorando o critério de risco para ter “energia garantida”. Como os reservatórios são mínimos, o custo das usinas de potência é baixo, cerca de 80 R$ por Kwhora. Portanto é previsível que um grande número de usinas seja licitado simultaneamente para ter garantia de que não ocorra tambem um “Período Crítico” nas distintas bacias, o que é bastante provável, especialmente neste tempo de mudanças climáticas. Deste modo, acabamos incorrendo no mesmo erro do passado, ou seja, antecipação de investimento, com acúmulo de dívida. Ora, tudo isto poderia ser contornado com mais motorização das usinas do Sudeste. Como já estão prontas, algumas delas já amortizadas, sua capacidade instalada pode ser incrementada com instalação de unidades de custo incremental muito mais baixo do que a construção de novas usinas e a energia assegurada por termoelétricas a gás de baixo custo de capital. Invertem-se os papéis: Ao invés do Norte suprir o Sudeste rico, este é que supriria demanda dos estados pobres no seu período de seca.
10. Não se trata apenas de restringir a ação predatória dos grandes produtores de alumínio — como é desejo dos ambientalistas. Estes já estão depredando a Amazônia ao exportar minério bruto (bauxita). Por outro lado cumpre lembrar que o setor de mineração respondeu por metade do saldo de nossa balança comercial em 2008. Portanto, conjugar produção de energia com exploração de minério na Amazônia confere vantagens competitivas ao país como exportador de comodities metálicas de alto valor agregado. Esta é uma alternativa promissora do Brasil ocupar esta faixa de mercado, em lugar de exportar minério bruto.
11. A presença das grandes mineradoras é um fato consumado, com o qual os estados da região Amazônica têm de conviver. São as mesmas multinacionais que produzem alumínio em outros países sob condição muito mais incorreta e dispendiosa Não bastasse a exploração da matéria prima os estados ainda terão prejuízos ambientais ao exportar energia — como comodity — para os estados ricos do Sudeste e Sul, que já contam com meios próprios de assegurar energia garantida.
12. Um meio indireto de armazenamento de energia consiste na produção de bens quando a energia é abundante e, obviamente, deixando de produzir quando é escassa, ou seja, produção sazonal de alumínio coincidente com oferta sazonal de energia. Estocar alumínio em lingote é mais barato do que estocar energia em reservatórios.
13. Alguns países estão utilizando indevidamente a eletrólise da corrente elétrica para produzir alumínio, cujo valor guarda estreita correlação com os preços do petróleo. Por isso os fabricantes de produto eletro intensivo são os melhores clientes para o tipo de energia sazonal que os rios da Amazônia podem produzir, os quais podem programar a produção de alumínio nos períodos chuvosos. São os mais aparelhados para se beneficiar desta estratégia.
14. O Governo Brasileiro vem manifestando o desejo de uma presença maior do estado no setor de mineração e energia de modo similar ao que vem fazendo com relação a exploração do petróleo. O objetivo é a mudança na lei de concessões com a finalidade de conferir a Eletrobrás um papel semelhante ao da Petrobras. O aproveitamento múltiplo por bacia é a melhor forma de contemplar os diversos setores envolvidos e, ao mesmo tempo, compensar os estados e habitantes da região pelos estragos ambientais causados por reservatórios. Assim, em lugar de licitar o aproveitamento de recursos individuais, hidroelétricos ou minerais, a melhor providência é a licitação de todos os recursos que interferem com o conjunto de atividades integradas: suprimento de energia, mineração, navegação e proteção adequada ao meio ambiente através de cláusulas restritivas de área inundada (altura). As mineradoras têm tradição consolidada tanto na produção de alumínio quanto energia elétrica e seriam os maiores interessados numa licitação conjunta de produção de energia e minério. O aproveitamento múltiplo é a forma de exploração capaz de integrar toda a região amazônica de modo a romper com a condição de isolamento a que estão submetidos os atuais ocupantes e permitir a exploração não predatória de recursos naturais (energia, minerais, agricultura) sob um regime de subaproveitamento planejado e sustentável.
15. Os ambientalistas constituem a última frente de resistência capaz de deter a escalada da construção de reservatórios e fiscalizar o aproveitamento sustentável dos potenciais da Região Amazônica.
16. As empresas multinacionais não estão fazendo nenhum favor em explorar o minério da Amazônia, apenas buscam seu interesse. Algumas delas já utilizam a energia de maneira adequada a agregar valor ao minério de que são concessionárias. Outras mantêm inexplorados por longos anos as chamadas “concessões de papel”, aguardando oportunidade de tarifas subsidiadas. Cabe ao governo — como dono dos recursos naturais previstos pelo Código de Águas — estabelecer políticas do interesse geral do país, bem como de romper com práticas nocivas ao interesse dos estados em particular.

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