terça-feira, 17 de agosto de 2010

BELO MONTE: UMA JÓIA RARA

A estéril discussão em torno do aproveitamento de Belo Monte vem sendo travada em um nível ideológico bastante rudimentar, envolvendo técnicos e leigos. Vale a pena um esclarecimento: em termos puramente econômicos, Belo Monte é um potencial de apreciável altura de queda, capaz de produzir potência a baixo custo por quilowat instalado, de modo semelhante à maioria das usinas pioneiras da região Sudeste, mas é incapaz de produzir energia por um período longo, pela exigüidade de seu reservatório. Tipicamente, é um potencial de “fio d’água”, como foi o papel representado pela Usina Henry Borden em relação ao sistema Sudeste: ótima para o suprimento de energia de ponta. A usina de Belo Monte teria, em sua versão atual, um reservatório minúsculo ocupando 400 quilômetros quadrados, incapaz de oferecer qualquer contribuição significativa no que tange a regularização plurianual para qualquer outra região. No que respeita ao impacto sócio-ambiental, sua influência é diminuta e restrita ao preenchimento da calha do Rio Xingu, em dimensões, cerca de 10X40 quilômetros, muito inferiores ao que foi feito pela Usina de Itaipu que preencheu a calha do Rio Paraná, sepultando para sempre as belezas de Sete Quedas. A celeuma em torno da usina de Belo Monte revela bem a fragilidade de um sistema elétrico de fonte única. É difícil imaginar que, com tanto espaço, os índios estejam confinados em área tão exígua. Qualquer açude do nordeste ocupa área maior.
É um recurso final junto à foz do Rio Xingu, com regime de chuvas sazonal, similar à maioria dos rios da bacia Amazônica, caracterizados por prolongado período seco e com vazão mínima muito inferior, relativamente aos rios da região Sudeste. Acresce ainda o fato de o regime de chuvas não ser complementar, mas coincidente com o mesmo regime de outras regiões, especialmente o Sudeste.
Cumpre salientar que a Bacia Amazônica continua oferecendo ótimas oportunidades de investimentos privados, nacionais e estrangeiros, para a produção de comodities metálicas eletrointensivas, para cuja produção sazonal estão especialmente preparados. Neste caso, o melhor aproveitamento que pode ser dado a um recurso tão valioso como Belo Monte é precisamente este: armazenamento de energia elétrica sazonal em forma produto acabado. Considerando que toda a riqueza da região deve ser revertida em benefício dos legítimos donos que são os atingidos por empreendimentos -- com os quais não têm relação alguma senão de prejuízo -- a melhor forma seria a licitação do conjunto de riquezas (energia e produtos), com vinculação do pagamento de royalties, em benefício direto dos povos da Amazônia, de modo semelhante ao que é hoje pago às cidades do Espírito Santo e Rio de Janeiro, pela Petrobrás. Esta é a maneira mais racional de “resgatar” a imensa dívida social para com os povos da floresta que, no passado não muito remoto, foram submetidos a projetos malucos como Fordlandia, Jarí, Icomi, extração da borracha, Estrada Madeira Mamoré, e tantos outros de triste memória.
A extensão do atual sistema interligado a toda região Norte deve ser examinada com cautela porque pode se tornar uma aventura tão perigosa como foram tantas outras tentativas de colonização que a floresta acabou vencendo, deixando um rastro de exploração predatória e inacabada: extração da borracha, Fordlandia, Daniel Ludwig, Amapá, etc.
A Amazônia é um universo desconhecido, do qual tomamos algum conhecimento através de geógrafos (Ab’Saber e Newton Santos), naturalistas e habitantes da região (Chico Mendes). É um território destinado à extração e a subutilização de seus recursos energéticos (low profile). Lá, tudo é grande, menos a altura de queda dos potenciais. Só para termos uma vaga idéia, qualquer dos mais obscuros afluentes tem vazão muito superior aos rios do Sul Sudeste. Nominalmente: Juruá, Tefé, Purus Madeira, Tapajós e Xingu, etc. No entanto, se considerarmos a usina de Belo Monte, constataremos quanto é ridículo o seu reservatório (1200 Km quadrados na versão original), em termos de área inundada. Mal se compara ao tamanho de “Areado”, um entre dezenas de municípios banhados pela represa de Furnas.
Todo o custo das usinas do Rio Madeira está concentrado no vertedor e casa de força (44 unidades geradoras), sem contar o custo dos “linhões”. Todo o restante não passa de movimento de terra, semelhante aos inúmeros aterros que cruzam o reservatório de Furnas, não obstante a extensão da barragem, Os Rios do Sudeste provem de nascentes, enquanto os da Amazônia são formados por enxurradas que não penetram o solo, semelhante ao que acontece na cidade de São Paulo. Enquanto no Sudeste os grandes reservatórios são formados a partir de baixas vazões dos rios e altas quedas potenciais, na Amazônia as grandes vazões dos rios não conseguem acumular estoques devido à baixa altura, a não ser por reservatórios impensáveis. A Amazônia não é assunto para principiantes. É complexo demais para ser analisado nos mesmos moldes do sistema interligado atual. A insistência no desejo de integrar a Bacia Amazônica ao Sudeste e Sul pode levar a consequências imprevisíveis.
Os problemas da Amazônia envolvem aspectos de natureza sócioambiemtal, políticas, técnicas e econômicos. Nenhum destes setores tem privilégio exclusivo de reinvidicar para si a condição de determinante. Do ponto de vista socioambiental as restrições são genuínas, em vista dos antecedentes de interferência indevida. Do ponto de vista técnico, o problema está mal colocado. As reações dos ambientalistas a qualquer intervenção na Amazônia são naturais e espontâneas: tem a sua razão de ser tendo em vista o resultado da maioria das intervenções ali realizadas. Mesmo sem focar os argumentos apenas no aspecto ambiental, constatamos que, de todas as intervenções, até hoje não conseguimos encontrar uma sequer que não resultasse em fracasso retumbante.
Tomemos o exemplo de duas usinas da Amazônia: Balbina, criticada como “a pior” e Tucuruí, a mais incensada. O reservatório de ambas ocupa área de 2400 quilômetros quadrados, cerca do dobro do ocupado pelo reservatório de Furnas. Balbina produz muito pouca “energia”, relativamente a Furnas e a um custo (do kwhora) muito superior. Para este propósito, o reservatório é demasiado. Tucuruí produz “potência” muito superior a Furnas, a um custo equivalente, mas para produzir energia o reservatório deveria ser muito maior. Em comum, a mesma agressividade ao meio ambiente Jamais se ouviu alguma queixa ambiental pelo reservatório de Furnas que afinal não é tão grande assim, tendo em vista os enormes benefícios para o aumento do estoque de energia potencial. No que, então, diferem as três usinas? Para tentar explicar as diferenças, precisamos abordar o conceito de “estoque de energia potencial”, que serviu de estratégia para a segurança do sistema elétrico, nas fases iniciais e, em seguida, a perda de segurança em sua fase final, com a redução progressiva da capacidade de estocar energia potencial.
O “estoque de energia potencial” não é uma grandeza diretamente relacionada a uma usina em particular, como sendo o produto do volume v, do reservatório, pela altura h, próprios, mas uma grandeza muito maior, característica de toda a bacia. O fato de os potenciais estarem interligados, através de uma rede física de rios de modo a constituir um único sistema, faz com que a energia potencial possa ser amplificada e não seja a soma simples dos potenciais individuais, como se pertencessem a rios isolados. Alem do efeito localizado, um reservatório de cabeceira, dos sistemas interligados, está apto a produzir efeitos distantes em várias usinas a jusante. De forma semelhante uma usina de fio d’água de foz está apta a receber efeitos distantes de vários reservatórios preexistentes a montante. Suponhamos o sistema elétrico da região Sudeste Sul, com seu “estoque de energia potencial” conhecido.
Assim como o acréscimo de um reservatório simples (sem unidade geradora) produz efeitos em usinas de jusante, o acréscimo de uma usina de fio d’água (sem reservatório) recebe efeitos de reservatórios de montante. Nos dois casos a energia potencial da bacia hidrográfica se modifica. Se o reservatório e usina de fio d’água do exemplo didático constituírem u’a mesma usina, o estoque de energia se modifica devido a três efeitos: contribuição individual da própria usina acrescentada; contribuição individual da altura de cada usina de jusante em relação ao volume do reservatório novo; bem como pela contribuição individual de cada reservatório das usinas de montante em relação à altura da represa nova. Parece um jogo de palavras, mas os três efeitos sobre o aumento do estoque de energia podem ser assim sintetizados:
1. Efeito localizado: energia potencial igual ao produto simples da altura pelo volume.
2. Efeito do novo reservatório: energia potencial igual ao produto do volume do reservatório pela somatória das alturas das usinas de jusante.
3. Efeito da nova altura: energia potencial igual ao produto da altura pela somatória dos volumes dos reservatórios das usinas de montante.
É claro que este constitui um artifício didático para mostrar como o efeito isolado do componente de uma usina afeta as demais usinas constituintes de toda a bacia hidrográfica. Na realidade, quando o sistema já está constituído e vamos calcular o “estoque total de energia potencial” de todo o sistema, os efeitos 2 e 3 são iguais e, para não incorrermos no erro de contar duas vezes a mesma grandeza, devemos optar por um processo ou outro. Ou seja, o benefício global líquido cedido pelos reservatórios de montante sobre as usinas de jusante é igual ao benefício global líquido recebido pelas usinas de jusante dos reservatórios de montante.
O cálculo do “estoque de energia potencial” envolve o conceito de dois componentes abstratos da energia potencial: “volume a montante” (relativo a reservatórios) e “altura a jusante” (relativa à altura de queda), designados por maiúsculas, V e H, respectivamente.
Para calcular o efeito isolado de cada um destes componentes, vamos designar por minúsculas, v e h, respectivamente, as grandezas locais, próprias de cada usina que podem ser definidos como segue:
• Volume a montante V é a soma dos volumes individuais v, de “todos” reservatórios de cada potencial situado acima do reservatório recém-instalado.
• Altura à jusante H é a soma das alturas individuais h, de “algumas” barragens de cada potencial situado abaixo (à jusante) da barragem recém-instalada.
Toda vez que uma nova usina é incluída no sistema o estoque de energia cresce de vH ou hV. Ainda que expressões como montante e jusante sejam auto-explicativas convem frisar, a bem da clareza, que o conjunto dos potenciais constitui uma rede totalmente interligada fisicamente pelo fluxo da corrente da água, em formato de árvore, tal qual os ramos de uma árvore, propriamente dita. Assim, por exemplo, a usina de Barra Bonita não está a jusante de Furnas, embora se situe abaixo. Reservatórios à montante, não precisam pertencer ao mesmo rio, embora considerados à montante. Exemplo: ambos os reservatórios de Furnas e Itumbiara concorrem para o aumento do volume a montante de Jupiá, conquanto se situem em rios diferentes. Para evitar ambigüidades, o termo montante foi substituído por “todos situados acima”, enquanto o termo “jusante” foi substituído por “algumas situadas abaixo”.

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