terça-feira, 17 de agosto de 2010

A REALIDADE DO CAMPO GRAVITACIONAL

O fator determinante na diferenciação das três usinas é o relevo, não só no aspecto econômico como socioambiental. O princípio que rege a transformação de energia potencial em cinética depende da altura. Se um potencial tem altura capaz de produzir potência de modo eficaz, maiores vazões multiplicam esta eficácia, caso contrário multiplicam a ineficácia. A massa ou vazão é apenas um multiplicador de energia produzida de modo eficiente ou ineficiente. A medida da eficácia do campo gravitacional é a energia por unidade de massa ou de vazão. Esta é a razão porque o sistema da região Norte deve ser tratado de maneira distinta do sistema elétrico atual. A mesma estratégia utilizada com sucesso no sistema da região Sudeste não pode ser repetida na região Norte. A estratégia tem de ser outra.
Porque o relevo da região norte é um empecilho para constituição de estoque de energia? Nossa intuição as vezes falha ao interpretarmos as diferenças entre regiões. Imaginamos que as águas são mais abundantes na região norte porque lá chove mais. Nada mais enganoso, na realidade a probabilidade de chuva é a mesma ou pouco maior. Quando visto de cima o relevo mostra claramente que existem muito mais áreas planas do que acidentadas, que, por isso mesmo, são chamados acidentes. Então, se pensarmos no volume dos reservatórios, a possibilidade de constituir estoques de energia nos locais acidentados é infinitamente superior a dos locais de planície. Se tivéssemos que armazenar o mesmo volume de água de Furnas, nos reservatórios dos potenciais da Amazônia, precisaríamos de um espelho d’água muitas vezes superior para conter o mesmo volume. Eis porque os reservatórios da Amazônia são inócuos e agressivos.
O raciocínio a seguir pode parecer simplista: Todos sabem quanto custa armazenar água em reservatórios da Amazônia. Os obstáculos ambientais e técnicos seriam imensos tendo em vista os enormes espelhos d’água necessários. Por outro lado estamos bem conscientes do valor atribuído às reservas hidroelétricas, reconhecidas mundialmente. Ora, em lugar de posicionar contra as restrições ambientais, como impeditivas do progresso, porque não utilizar a grande capacidade de produção de energia dos rios amazônicos, ainda que subutilizados, para acelerar o enchimento dos reservatórios da região Sudeste? Como? A resposta é simples: utilizar ao máximo possível a energia produzida, pelos rios amazônicos nos curtos períodos de cheias, para substituir ENA dos rios do Sudeste, cujas vazões seriam canalizadas para enchimento completo de reservatórios, antes do início da estação seca. Isto significa impedir que as usinas de cabeceira sejam acionadas para suprir demandas da carga. Se esse objetivo não for atingido, acionar térmicas a qualquer custo. Neste caso, a probabilidade de auto-regulação é maior do que se começasse o período seco com reservatórios semipreenchidos.
No caso da usina de Belo Monte, a análise revela aspectos técnico, ambiental e econômico mais surpreendente ainda: é um potencial de foz do Rio Xingu que não tem pretensão alguma de integração física, nem é beneficiária de reservatórios de montante, inimagináveis em rios da Amazônia. Na sua versão original, o espelho d’água de 1200 quilômetros quadrados, inferior ao de Furnas, mal preenche a calha rio, portanto, incapaz de produzir efeito sócio-ambiental relevante. A redução da área para 400 quilômetros quadrados é uma subutilização desnecessária que só faz aumentar o custo dos equipamentos sem efeito algum sobre o custo de vertedores. Corresponde ás dimensões de um quadrado de 20 por 20 Km, inferiores ás de qualquer dos 70000 açudes nordestinos. O fato mais surpreendente se relaciona com a capacidade instalada de 11000 Mw, capaz de gerar enorme quantidade de energia em período curto que pode ser exportada para outras regiões, especialmente o Nordeste.
Se examinarmos a situação da maioria dos países com sistema predominantemente térmico (alguns deles dependentes de carvão fóssil) constataremos que a energia hidráulica nestes países é utilizada plenamente, sem vertimento de água. Suas usinas hidráulicas, porventura existentes, funcionam permanentemente na sua capacidade máxima permitida pelo equipamento instalado e pela vazão instantânea. Algumas usinas seguramente já passaram por motorização excessiva. Essa é a transição que o sistema do Sudeste está atravessando. Quando mais usinas térmicas forem adicionadas ao sistema do Sudeste, uma grande quantidade de energia, atualmente “vertida” pelas usinas hidráulicas, estará disponível para plena utilização em atividades planejadas (navegação e armazenamento de energia em forma produtos acabados). Mesmo com o artifício da subutilização e custos mais elevados de produzir energia concentrada, os custos dos potenciais amazônicos ainda são inferiores a todas as alternativas renováveis que estão sendo apregoadas como salvação do planeta: eólica, marés, nuclear, etc. Resta saber se queremos aproveitar a grande quantidade de energia concentrada dos rios amazônicos (tambem do Sudeste) para produzir comodities nos períodos chuvosos para vender na seca, Só capitais privados nacionais ou estrangeiros são capazes de fazê-lo. Caso contrário, as grandes riquezas da Amazônia, tanto quanto seus fabulosos potenciais hidráulicos continuarão como estão, alimentando o imaginário do povo brasileiro.

UM SENTIDO PARA A COOPERAÇÃO

Alguns estão sempre de prontidão para rechaçar experiências de cooperação bem sucedidas, mesmo que ocorridas espontaneamente. Encontramos na história alguns exemplos de colaboração espontânea bem sucedidas. A globalização não é uma estratégia imposta pelos países industrializados para continuar colonizando países em desenvolvimento. Pelo contrário, ocorreu espontaneamente, a revelia dos governos dos países industrializados e a despeito das ideologias, crenças e religiões. A cooperação de empresas transnacionais com os países em desenvolvimento propiciou enormes benefícios para ambas às partes, com o que os países em desenvolvimento puderam crescer mais. Nada vai impedir que países em desenvolvimento cooperem entre si, espontaneamente, na busca de suas alternativas mais promissoras, a exemplo do ocorrido no leste Asiático. Países em desenvolvimento já têm suas próprias empresas transnacionais, estatais ou não (Petrobrás, Vale, Gerdau, etc., para citar as mais próximas), aceitando o processo de globalização.
A enorme diversidade dos países em desenvolvimento, cada um com suas especificidades, constitui o ingrediente básico para a cooperação espontânea, caminho natural dos novos rumos da globalização da economia. Assim como não é conveniente para os países Asiáticos a formação de blocos, tambem não interessa aos demais países em desenvolvimento. Os blocos interessam mais aos países semelhantes que desejam competir em lugar de cooperar.
Para haver competição é preciso haver similaridade entre adversários (países industrializados) e objetivos coincidentes (venda de produtos tecnológicos), fato comprovado pela experiência das guerras destrutivas do século passado em busca de mercado para os países conflitantes. A experiência mostra tambem a existência de uns poucos países similares e uma grande quantidade de países diferentes, o que quer dizer: geralmente, existem mais formas de ser diferente do que semelhante. A competição realçou as diferenças. Mas, como podem os países se tornar mais diferentes ainda? A resposta é simples: tornando-se especialistas. A especialização dos países certamente acompanhará a especialização ocorrida entre indivíduos no interior de uma sociedade, como bem demonstra a experiência de cooperação dos países industrializados com o Leste Asiático. A extrema especialização tornará cada país tão singular e único que em vez da competição haverá cooperação. Em alguns países em desenvolvimento como o Brasil, a cooperação ocorreu na década de 50, no setor automotivo. Nos dois casos citados os benefícios são evidentes para ambos os participantes.
Tornar-se igual exige esforço competitivo para desenvolver idéias inovadoras. Entretanto, a cooperação atual e passada é um desmentido à convicção de que só a confrontação egoísta e voraz motiva os países para a produtividade. Tornando-se especialista, tudo aquilo de que um país necessita encontrará no mercado, vendendo o seu produto, especial e único, o qual será o complemento de outros. O mercado é neutro: não impõe condições. A ida ao mercado é uma decisão interna de cada um.
O sistema de produção não é mais constituído por uma cúpula restrita e uma imensa massa indiferenciada de países consumidores dos produtos de países industrializados do tempo subseqüente à revolução industrial. As especializações se distribuem completamente por ampla gama de diversidade que não permite mais o antagonismo mortal das guerras de conquista. Núcleos familiares latifundiários e auto-suficientes explodiram diante da urbanização e industrialização crescentes, levando os países às mais variadas e estranhas composições e engajamentos, destruindo os interesses de pequenos grupos dominantes. Afastado o perigo das guerras destrutivas e da explosão populacional os países não necessitam mais ficarem confinados dentro dos estreitos limites do nacionalismo e auto-suficiência. A cooperação exige a complementação das aptidões de cada participante. Quanto mais diferentes, mais chance terão de se complementarem. O próprio contato entre países de crenças e ideologias treina-os para autonomia e cooperação e os predispõem para a aquisição de uma maior cultura, superior e universalizadora, sem que precisem abdicar de suas próprias. A variedade de países e suas qualidades específicas tornarão a competição sem efeito, senão impossível. A cooperação é um estágio superior que permitirá a humanidade alcançar um nível maior de operacionalidade que foi privilégio de uns poucos grupos de elite. Mas, não é imprescindível que precisem abrir mão de sua cultura própria (inspirado em Marshal mcLuhan).
O relacionamento entre países guarda algumas semelhanças com os sistemas físicos. Nos sistemas fechados a ”entropia” é sempre crescente, mostrando uma nítida tendência para a uniformidade quando o estado de equilíbrio é atingido (temperatura constante de um gás, por exemplo). Será que podemos afirmar que a “sinergia” tambem cresce no relacionamento de países em cooperação? A princípio, grandes diferenças entre países proporcionam os maiores ganhos sinérgicos com a cooperação. À medida que as carências internas são eliminadas os ganhos se tornam menores até se tornarem nulos. Os dois lados têm a ganhar com as trocas enquanto a cooperação prevalecer. É provável que os participantes se tornem mais semelhante, não podemos dizer com certeza. Mas, como os dois lados ganham com a cooperação, podemos dizer, certamente, que estarão no final em um nível superior ao dos outros países que não cooperam. Acresce dizer tambem que a presença de humanos no circuito altera as condições de isolamento, tornando as relações entre países um sistema aberto. O próprio contato dos participantes em estágio próximo treina-os para maior autonomia e cooperação, suprindo a dependência, fixações de auto-suficiência e o clima de isolamento característico das relações tradicionais. Países que buscam a auto-suficiência não querem colaborar, pois não têm o que oferecer como moeda de troca. Procuram, sim, competir, através de regras protecionistas, para impor a outros países as condições prevalecentes até a segunda guerra mundial.


HUGO SIQUEIRA
Cabo verde MG
em 22.01.2009.

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