O fato de ter supermotorizado as hidroelétricas, que parecia um desperdício, hoje oferece uma alternativa promissora de aproveitamento da energia não disponível, proveniente de águas que são vertidas todos anos por falta de consumidores. A complementação térmica permite o aproveitamento desta energia perdida com um mínimo de investimento, dispensando novas hidroelétricas. Térmicas estão sempre disponíveis, independem do clima: portanto são mais indicadas para ficarem de reserva, porque tem custo de capital menor. A opção por térmicas oferece a chance de economizar combustível, mantendo-a parada e utilizando energia de hidroelétricas que estão vertendo. Para exemplificar imaginemos como deve ser a operação de um sistema, em país industrializado, com a participação de usinas térmicas e hidroelétricas na proporção de 25 e 75%, respectivamente. Suponhamos ainda que o custo operacional de térmicas seja equivalente à diferença entre o custo de capital de hidroelétricas e térmicas. Neste ponto de equilíbrio seria indiferente prosseguir acrescentando hidroelétricas ou térmicas, uma vez que os custos finais seriam os mesmos. Mas há uma diferença: sempre que alguma usina hidroelétrica estiver vertendo, poderá ser utilizada até a capacidade máxima para economizar combustível de térmicas. Só quando todas as hidroelétricas estiverem operando no máximo de capacidade as térmicas serão acionadas. Suponhamos a ocorrência de dois cenários possíveis: um período seco ou um período chuvoso. Se o período for seco não existem sobras de energia hidroelétrica para economizar combustível em térmicas e, por qualquer circunstância operativa, algum reservatório estiver baixando de nível, corremos o risco de perder potência e o sistema entrar em colapso. Não podemos utilizar as águas senão para repor o volume dos reservatórios, mesmo que existam hidroelétricas vertendo. Neste caso a usina térmica entra em operação posicionada na ponta, e a partir daí deve operar até atingir a capacidade máxima de 25% em energia. Se, entretanto, o período for chuvoso, as águas que seriam vertidas poderão ser usadas na sua quase totalidade para acionamento de hidroelétricas na potência máxima (máxima vazão) em substituição a térmicas que seriam parcialmente paralisadas, economizando combustível. A partir daí os acréscimos serão determinados pela demanda e não mais pela energia. Há demanda, mas não existe máquina suficiente nas hidroelétricas. Investindo em térmicas o país só gastará mais se o período futuro for seco, assim mesmo de um combustível que estará sem clientes. Esta é a razão principal da opção por termoelétricas, alem de outras vantagens já mencionadas: custo ambiental e de investimento menor no presente momento de crise. Se investir em hidroelétricas como as do Madeira o país estará perpetuando, de imediato, a incerteza de um sistema indefinidamente hidroelétrico.
Qualquer possibilidade de alongar o tempo de uso de hidroelétricas atuais recupera investimentos do passado, tornando menor o custo kWhora produzido por hidroelétricas. Assim, por exemplo, a utilização de carros elétricos permite armazenar a energia de hidroelétricas em baterias carregadas “a noite”, quando as hidroelétricas estão parcialmente paralisadas. Outra possibilidade é o armazenamento de ar comprimido para muitos fins, inclusive acionamento de veículos. Existem inúmeras possibilidades de armazenamento de energia, dependendo da imaginação criativa do planejador, que podem ser utilizadas para “armazenar”, em termos, a energia de hidroelétricas desocupadas em momentos de baixa atividade econômica. Citamos alguns exemplos de artifícios:
• Produção e armazenamento, em forma de produtos acabados, intensivos em energia elétrica (alumínio, estanho) através de tarifas especiais.
• Produção de hidrogênio por eletrólise.
• Armazenamento de água em reservatório de usina reversível. Este artifício permite o uso de energia de hidroelétricas paralisadas para produção de energia de ponta.
• Iluminação urbana e Irrigação noturna (utilizada no Paraná).
• Galvanoplastia e eletrólise (cromeação e zincágem).
• Qualquer disposição que permita contornar as regras fixas do industrialismo como, por exemplo, tarifas flexíveis para consumidores especiais de cargas contínuas; prêmio às atividades industriais intensivas em energia elétrica; horários flexíveis de trabalho e férias não coincidentes; desconcentração de feriados prolongados; despadronização e descentralização de todas atividades geradoras de demanda e muitas outras. É claro que todas estas disposições dependem de mudanças estruturais, as quais já vem acontecendo naturalmente nos países industrializados como, por exemplo: fabricação de carro para ficar parado, trabalho em casa, diminuição do transporte de matéria prima, terceirização de serviços, globalização, especialização, etc.
• A geração de demandas é inerente a muitos outros setores e não privilégio apenas do setor de produção e consumo de energia. Acontece tambem no transporte, nos portos, no turismo e nos locais de lazer (baixa e alta temporada), nas celebrações, etc. A geração de demanda é uma decorrência do industrialismo, um processo histórico que durou cerca de 300 anos e chegou ao seu final na década de 1950 nos países industrializados e que só agora atinge os países em desenvolvimento. A característica principal do industrialismo é a forte concentração, centralização, otimização e sincronização da atividade econômica concentrada na produção de bens industriais e manufaturas altamente intensivas em energia. Se nas fases iniciais foi beneficiado pela abundância de recursos energéticos de combustíveis fósseis, expandiu muito mais com o advento da eletricidade, uma forma de energia intermediária, descentralizadora da atividade econômica. Mas, o industrialismo no qual os países em desenvolvimento estão ingressando difere substancialmente daquele dos países industrializados. Permanece intensivo em energia, mas numa fase de escassez e, por esta razão, os processos de transformação de energia devem ser mais engenhosos que no passado. Países em desenvolvimento não podem mais dar se ao luxo de desperdiçar energia inutilmente como no passado, especialmente energia potencial hidroelétrica. Verter águas sem produzir energia é um descuido tecnológico e não um destino inelutável de um industrialismo concentrado em um sistema elétrico indefinidamente hidroelétrico. A complementação térmica é uma forma de otimização jamais imaginada pelo industrialismo. A cooperação de transnacionais com países do Leste Asiática na tecnologia da informação e eletrônica é um bom exemplo de sucesso da complementação entre países. O Brasil é um país ainda burocratizado, mas pode antecipar, com medidas de incentivo, mudanças que tambem já vem ocorrendo por aqui.
• A concentração do sistema elétrico foi alvo de críticas pelo fato de dar ênfase a obras de grande porte. Mas cumpre reconhecer que foi extremamente positivo para o desenvolvimento industrial do país. Inclusive, o superdimensionamento em motorização de todas as usinas pode se tornar útil. Hoje, talvez até seja insuficiente para aproveitar toda a energia de águas vertidas. Para que isso aconteça as atuais hidroelétricas precisam ser potencializadas ainda mais. Mas, o Sistema Elétrico Brasileiro está se tornando extremamente complexo a ponto de perder sua vantagem original por se tornar operacionalmente rígido demais.
• A estratégia é muito semelhante a utilizada no caso do combustível alternativo, ou seja, aproveita a parte negativa da proposição, isto é, a usina termoelétrica vai ser construída para ficar parada, da mesma forma que hidroelétricas são construídas para ficarem paradas, por falta de consumidores. Uma vez atingida a fase térmica, todo o esforço da imaginação criadora será posto a serviço do encontro de cargas especiais e incentivos para a mudança de hábitos estabelecidos pelo industrialismo, no sentido de aproveitar toda energia perdida, o que pode significar um aumento de pelo menos 25% da potência instalada, com um mínimo de investimento.
• No caso do combustível alternativo a estratégia utilizada nos dias de hoje é equivocada. Ao invés de promessas futuras de redução de emissões de gás carbônico -- que ao final nunca serão cumpridos -- os países consumidores devem apresentar comprovante de que tenham feito investimento em plantações de árvores antes de consumir, ou seja, uma quota antecipada de plantio de árvores, para depois emitir, nos moldes dos créditos de carbono.
• O programa “luz para todos” não tem não têm apenas alcance social, mas econômico, porque a energia é utilizada principalmente para iluminação, que poderia ser gratuita, como no caso da irrigação noturna. Tarifas diferenciadas para iluminação urbana estimulam o trabalho noturno, quando as hidroelétricas são pouco solicitadas. Horários flexíveis achatam as curvas de demanda, permitindo maior utilização de hidroelétricas.
• Horários de verão têm alcance reduzido em países tropicais, uma vez que deslocam demanda, facilmente suprida por hidroelétricas supermotorizadas. Horários invertidos são mais interessantes, por permitir o alongamento do tempo de uso de hidroelétricas no inverno.
• O país está investindo mais onde poderia estar investindo menos: as hidroelétricas, altamente concentradas no fator capital, com demorada maturação e pouco intensiva em mão de obra. Há um consenso de que o país ainda não está em recessão e que a atual crise de abundância tem sua origem na economia americana. Estimular o consumo com altas taxas de juros são medidas que se auto anulam, mas depender de crédito externo para financiar hidroelétrica significa voltar a situação de dependência de capital externo dos anos 70. A situação do Brasil é hoje muito diferente, uma vez que não depende de importação de combustível, que está em baixa e precisa ser estimulado internamente para não ser penalizado.
• A medida mais prudente para o atual momento é a economia de investimento, utilizando melhor o investimento já realizado em outros setores como o hidroelétrico e o programa do álcool.
• Será muito difícil obter recurso externo pela exportação de combustível e comodities com as medidas restritivas impostas pelos países industrializados, os quais já começam a atingir países emergentes. Sozinhos, os países emergentes não conseguirão manter o ritmo de importação de nossos produtos. O remédio é economizar como todo mundo está fazendo.
• Países industrializados estão tentando estimular a atividade econômica para salvar o emprego por meio de injeção maciça de capital nas suas empresas, mas a situação atual é distinta de 1929 quando estes países ainda eram produtores de bens industriais e havia muitos setores de baixa tecnologia para serem estimulados. Um plano semelhante ao “New Deal” não encontraria hoje potenciais hidroelétricos por explorar. Planos agrícolas de desenvolvimento de combustível alternativo e alimentos só viriam a limitar a capacidade de produção dos países emergentes como Brasil e Índia (açúcar e álcool). Aos países industrializados só resta estimular setores de alta tecnologia em pesquisas médicas, espacial, dos oceanos e biogenética. O setor da informática e micro eletrônico, desenvolvido em cooperação com países do Leste Asiático, já mostra sinais de saturação pela enorme concorrência.
• Existem combinações exóticas de tecnologias para acionamento de veículos que poderiam ser desenvolvidas em favor de países em desenvolvimento, cujo consumo de combustível está aumentando rapidamente: carros flex a vários combustíveis; carros elétricos a bateria e alternador (álcool elétrico), com recuperação de energia; tratores diesel elétricos; carros a ar comprimido ou simplesmente turbinado; carros a gás natural comprimido, etc. Estes arranjos permitem não só reduzir a poluição e emissão de gases nos centros congestionados das grandes cidades como permitem o melhor aproveitamento da energia gerada por meios hidroelétricos.
• Baterias recarregáveis já são extensamente utilizadas, com notável autonomia, em milhões de celulares e notebooks, sendo possível a tecnologia ser estendida para baterias mais pesadas. Mesmo a tecnologia de “reconhecimento de chamadas” telefônicas (BINA), pode ser usada para reconhecimento do uso de cargas elétricas noturnas ou de inverno. Compressores de ar podem se tornar ótimas microusinas reversíveis.
• O aquecimento solar direto pode se tornar mais eficiente com o emprego de espelhos parabólicos orientados ou lentes concentradoras de energia para muitos fins de “calor de processo” em inúmeros locais de uso institucional coletivo como hotéis, clubes, restaurantes, hospitais, bibliotecas e museus ou outras empresas de serviço público. No consumo residencial o aquecimento solar direto tem se desenvolvido nos países em desenvolvimento que são mais beneficiados do que os países industrializados. Mas, o processo de implantação é lento, por falta de condições institucionais. Para serem substituídos, os anacrônicos chuveiros elétricos requerem facilidade de crédito à população pobre. A facilidade de crédito para refrigeradores pode beneficiar o usuário, mas é equivocado porque é um aparelho de consumo contínuo muito apropriado para alongar o tempo de funcionamento de hidroelétricas. O mesmo acontece com iluminação pública, utilizada quando hidroelétricas estão paralisadas. A troca de luminárias por outras a vapor de sódio não se justifica.
• Ninguem duvida que o mundo esteja atravessando uma situação de emergência e a alternativa pelo suprimento por termoelétricas é a que mais serve para a ocasião. O sentido da estratégia vai muito alem da simples comparação de custos de alternativas, que já virou dogma. A simples constatação de que em apenas seis meses os juros dobraram enquanto o preço de combustíveis reduziu de cinco vezes, invalida qualquer cálculo. Térmicas não são indicadas para funcionar, mas para ficarem de reserva e prontidão, com baixo investimento, para momentos críticos de seca como o ocorrido em 2001. Os maiores gastos de combustível, se ocorrer se dará no futuro, enquanto os custos de capital de hidroelétricas serão imediatos e irreversíveis. Os custos de capital em térmicas serão ínfimos e imperceptíveis quando escalonadas no tempo. A grande verdade que não é revelada pelos técnicos é que as hidroelétricas estão se tornando caras e seus reservatórios estão se tornando insuficientes. Para contornar as restrições ambientais é usado o expediente de redução da altura das barragens para diminuir o impacto de reservatórios, o que destrói a grande vantagem de alguns empreendimentos hidroelétricos da Amazônia (Belo Monte). O grande número de unidades (44 usinas de bulbo em Jirau) é um artifício que esconde o verdadeiro custo em equipamentos e vertedores. É claro que terão custo maior do que o previsto anteriormente, antes da redução de altura, uma vez que a eficiência do campo gravitacional depende da altura de queda. No caso do projeto da usina de Belo Monte, a redução do reservatório de 1200 quilômetros quadrados para 400 (20X20) é inócua e só faz aumentar o custo equipamentos. O impacto ambiental e social do reservatório original é ínfimo, corresponde a área de uma pequena cidade, mal e enche a calha do rio. A expansão de hidroelétricas sem o correspondente aumento de reservatóriosnão apenas está se tornando dispendiosa como a restrição ambiental oposta aos reservatórios os torna inúteis para o fim de regulação. As bacias nem ao menos são complementares.
• O programa de utilização de térmicas a gás é muito mais abrangente do que a simples adição homeopática de térmicas, com propósitos preestabelecidos. Visa recuperar investimentos em termoelétricas antigas a vapor e aproveitar investimentos em hidroelétricas supermotorizadas.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
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