terça-feira, 17 de agosto de 2010

CONDIÇÕES ESTRUTURAIS

O Brasil foi extremamente bem sucedido na exploração de seus recursos naturais energéticos. Junto com o Canadá, Estados Unidos e Rússia, foi o que mais se beneficiou da revolução da descoberta da eletricidade no princípio do século passado graças a constituição geográfica dos seus rios interiores, de forte integração regional. O planejamento do sistema elétrico, iniciado após o primeiro período de seca prolongada (1953 a 1956), foi profundamente marcado por este acontecimento. Foi muito eficiente a princípio, mas ao mesmo tempo conservador. Grande capacidade instalada associada a grande capacidade de armazenamento foram as condições que permitiram uma operação tranqüila e eficaz nos primeiros trinta anos, tanto no aspecto das variações de demanda como da energia, até que o sistema foi surpreendido pela repetição de um novo período crítico com redução expressiva de energia natural afluente as usinas. Simulações “posteriores” confirmam esta ocorrência.

Potenciais de baixo custo nas cabeceiras dos rios Grande e Paranaíba incentivaram a supermotorização das usinas em razão dos reduzidos custos incrementais das primeiras usinas, muito alem das necessidades naturais de atender ao fator de carga em torno de 0.55. Junte-se a isso uma grande capacidade de armazenamento de energia pelos reservatórios de Furnas e Itumbiara, adequadamente situados nas cabeceiras dos dois rios que, mesmo com baixos fatores de capacidade (em torno de 0.4) o sistema não encontrava condições de mercado suficiente para absorver o excesso de energia alem da acumulada nos reservatórios, de modo que muita água verteu nesse período fazendo o sistema parecer superdimensionado. Blecautes ocorrem com frequência em muitos países industrializados de modo que a ocorrência de apagões não constitui razão para crucificar os planejadores que atuaram com muito êxito por 40 anos sucessivos. A introdução de térmicas foi a reação natural, na ocasião, para fazer frente às más condições climáticas. A condição de país ainda essencialmente agrícola determinou a característica sazonal essencialmente variável da carga ao longo do ano, dia e semana.

A conveniência de complementação térmica evidentemente não decorre da escassez de recursos potenciais hidroelétricos, em um país que ainda dispõe de 80% (???) de recursos inexplorados na Amazônia, alguns de apreciável altura de queda, economicamente viáveis. Termoelétricas não contemplam apenas a necessidade conjuntural do presente, mas é decorrência da perda de capacidade de regulação por reservatórios de acumulação que foram perdendo significado ao longo do tempo com a expansão através de novas hidroelétricas, sem aumento de reservatórios significativo. O acréscimo de Usinas com reservatórios de regulação apenas sazonal acabou reduzindo ao longo tempo do tempo a capacidade total dos reservatórios -- inicialmente em torno de 25 vezes em relação à energia natural afluente às usinas -- para cerca de apenas 6 vezes, até que um novo período de seca, com baixa energia natural afluente, ocasionou o apagão de 2001. Acresce ainda o fato, da extrema dificuldade em operar, em razão de profundas mudanças estruturais ocorridas no Brasil depois da década de 50.
Ora, os reservatórios de planície, característicos da região amazônica, são inadequados para efeito de regularização, alem do que o regime sazonal dos rios é o mesmo e por isso, não complementar. O Brasil corre o risco de construir custosos linhões para integrar sistemas que não são complementares, nem são capazes de acrescentar reservatórios de regulação plurianual, portanto não integráveis. Afora estas limitações técnicas, acresce o fato de serem fortemente contestadas por condições socioambientais, o que torna o processo de licitação demorado. Isto vem acontecendo com a usina de Belo Monte que vem tendo restrições ridículas de reservatórios (500 quilômetros quadrados) que nada significam em termos socioambientais, mas que tornam elevados os custos de equipamentos de uma boa opção.
A bacia Amazônica continua oferecendo ótimas oportunidades de investimentos privados, nacionais e estrangeiros, para a produção de comodities metálicas eletrointensivas, assim como a opção por térmicas no sistema atual tambem oferece as mesmas oportunidades diante da elevada capacidade instalada que pode ser liberada para a produção das mesmas comodities, com tarifas especiais.
No que respeita às mudanças estruturais constatamos que as diferenças na distribuição de carga se tornaram acentuadamente menores em consequência da diversificação na composição das atividades relacionadas ao consumo de energia, resultante da mudança de um país essencialmente agrícola para produtor de bens industriais e serviços.
Não podendo contar com reservatórios de acumulação de outras regiões, não resta alternativa senão a garantia de térmicas para ter em conta as mudanças climáticas, que constitui fenômeno probabilístico. A garantia por térmicas é muito mais efetiva, uma vez que o combustível já representa um estoque de energia acumulada, disponível a qualquer momento e independente de variações climáticas imprevisíveis da natureza. É muito provável que as mudanças estruturais venham a produzir, na região Sul Sudeste, um efeito semelhante ao acontecido nos países industrializados, isto é, uma diminuição das necessidades de energia com o crescimento econômico. Com a perda progressiva da capacidade de regulação por reservatórios e com a garantia oferecida por térmicas, quase toda energia que eventualmente seria vertida pode ser usada para economizar combustível nas térmicas, independente da necessidade de encher reservatórios de acumulação. A diversificação na composição da carga permitirá o alongamento do tempo de utilização das hidroelétricas naquelas cargas especiais de uso contínuo. Esse é o preço a ser pago para assegurar o suprimento que antes era feito por reservatórios de acumulação.
A contribuição das usinas de cogeração é positiva por ser complementar (colheita em período seco), mas para que se torne efetiva é preciso haver alguma compensação pelo fato de as usinas de álcool e açúcar, como entidades privadas, não se sentirem estimuladas a participar do processo, quando térmicas em geral são paralisadas por excesso de chuvas. Entretanto existem varias formas de compensação, uma vez que é do interesse geral.
Usinas de açúcar ainda utilizam usinas térmicas a vapor antigas, cujo processo termodinâmico tem baixa eficiência. Entretanto, Usineiros poderiam ser compensados, na forma de créditos facilitados, para aquisição de termoelétricas a gás mais eficiente, para operar em conjunto com as térmicas antigas, aproveitando a energia dos gases de escape (termoelétricas combinadas). Não se pode falar de eficiência de um processo que utiliza combustível sem valor de mercado. O rendimento que interessa no caso é o rendimento em termos monetários, isto é, reais de saída em relação aos reais de entrada. Como a queima direta do bagaço é mais eficiente para a produção de “calor de processo”, a melhor solução para os usineiros seria a venda do bagaço como insumo para indústria cerâmica que utiliza a queima direta do bagaço em “calor de processo”. Outro obstáculo a ser vencido reside no fato de a maioria das usinas e sistemas de transmissão terem sido privatizados, o que dificulta a operação.
É no mínimo surpreendente que, em um país com tantos recursos potenciais inexplorados, o sistema interligado atual não possa contar com estes recursos, seja porque são recursos de região de planície, inadequados e não complementares, seja porque são ambientalmente incorretos e tenha que recorrer a fontes térmicas mais custosas para aumentar sua capacidade de regulação plurianual, inclusive termonucleares. A importação de energia de outras fontes, externas ao sistema interligado, pode diminuir a dependência da energia natural afluente às usinas hidroelétricas atuais, mas não concorre para o aumento da capacidade de regulação por reservatórios de acumulação plurianual. O ideal de um sistema único interligado para todo o território brasileiro pode ser inatingível. Entretanto, nada impede que o suprimento de energia possa continuar de forma descentralizada, apenas vamos ter que gastar mais para contornar a imprevisibilidade do tempo. Países industrializados já passaram por estas circunstâncias limitadoras e há muito tempo são dependentes de térmicas.
Não constitui objetivo do sistema interligado atual a otimização de todos os recursos hidroelétricos pelo aproveitamento de energia indisponível ou vertida. Pelo contrário, no período inicial o planejamento se pautou por oferta antecipada de capacidade instalada e energia, pela utilização de potenciais adequados, de evidente economicidade. Hoje, o problema é de natureza mais estratégica do que simplesmente econômica. A estratégia de super oferta de energia armazenada em reservatórios, utilizada nos períodos iniciais, não pode ser repetida porque o sistema exauriu a sua capacidade interna e nem pode contar com reservatórios de regularização plurianual de outras regiões, por serem tecnicamente inadequados e não complementares. A discussão em torno dos recursos da Amazônia é estéril porque está desfocada: antes de serem agressivos, os reservatórios são inadequados e impróprios, por se situarem em regiões de planície, alem do que não são complementares, mas coincidentes com o de outras regiões, especialmente a Sul Sudeste. Nem a opção por termoelétricas é capaz de eliminar as incertezas de um sistema intrinsecamente aleatório. Entretanto, é mais seguro: substitui uma garantia aleatória de armazenamento em reservatórios por garantia de armazenamento mais eficaz, dependente da ação deliberada do homem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

sobre o blog

Uma exposição didática do significado de "visão geral de sistema".

Cada página acima tem o tamanho físico de uma página real e poderá ser consultada em qualquer órdem para ver como as "variáveis de sistema" estão interrelacionadas.

Para se ter uma visão de conjunto do artigo todo no arquivo do blog as postagens (mais extensas) aparecem na órdem em que foram postadas.























































































































Seguidores

Quem sou eu

Minha foto
Escritor bissexto e plagiador de poetas. Calculista e decifrador.

Uma exposição didática do significado de "visão geral de sistema".

Cada página acima tem o tamanho físico de uma página real e poderá ser consultada em qualquer órdem para ver como as "variáveis de sistema" estão interrelacionadas.
Para se ter uma visão de conjunto do artigo todo no arquivo do blog as postagens (mais extensas) aparecem na órdem em que foram postadas.