Chamo a atenção para o trabalho de sua autoria “Novo Contexto do Setor Elétrico Brasileiro”, do qual reproduzimos o trecho abaixo:
“A apropriação de benefícios advindos de outros empreendimentos dependerá da localização da usina. Por exemplo, ao se criar em um rio um reservatório que o regularize, os incrementos de energia garantida, gerados nas usinas à jusante, serão apropriados pela usina regularizadora”.
Para o investidor, portanto, parte da produção de sua usina estará sendo apropriada por outro empreendimento. Entretanto, se as usinas forem licitadas por ordem crescente de custo, não há prejuízo, uma vez que na relação custo-benefício do seu empreendimento já terá sido levada em conta a vantagem naquele momento. Além disso, qualquer incremento de custo que esteja ocorrendo, em função de geração apropriada por outro empreendimento, deverá ser ressarcido.
Um bom exemplo seria a construção de um grande reservatório, que tenha a melhor relação custo-benefício, a ser acrescentado ao sistema interligado, em determinado estágio de sua expansão. O novo reservatório, regularizando o rio, poderia proporcionar grande aumento de geração garantida nas usinas rio abaixo, apesar de, por sua baixa altura de queda, admitir apenas potência instalada pequena ou mesmo nenhuma (reservatório puro). Nesse caso, o empreendimento, considerado isoladamente, mostrar-se-ia antieconômico e jamais atrairia investimentos privados. Por mais econômico e conveniente que pudesse ser sob a ótica integrada, ele só se tornaria viável na medida em que lhe fosse atribuído o acréscimo de energia obtido nas usinas existentes à jusante”.
A energia garantida associada a uma usina pode ser dividida em duas grandes classes:
a. A energia gerada na própria usina ou energia local.
b. A energia que, apesar de não ser gerada naquela usina, a ela está associada.
Atualmente, o conceito de energia garantida já é praticado, como "energia de otimização", porém a tarifação da energia gerada pelo sistema tem sido feita usando-se o custo marginal de curto prazo, que depende principalmente do nível de armazenamento do sistema. Na realidade, as empresas estão fornecendo o fluxo energético que otimiza o sistema para atender seus mercados. Essa tarifação variável não é compatível com os conceitos propostos para a regulamentação da Lei de Concessões no 9074. Hoje, em algumas empresas, existe uma receita financeira associada à tarifa de otimização de porte comparável à proveniente da venda de energia elétrica ao mercado consumidor.
Com a participação de capitais privados através de licitações, isso deverá ser alterado, pois acrescenta uma indeterminação de custos para todas usinas cuja energia garantida tenha parcelas geradas em outras usinas. Além disso, a existência de uma receita distinta da tarifária contraria os preceitos da Lei 9074/95, que pretende estabelecer uma tarifa pelo período de concessão que cubra todos os investimentos. Qualquer outra receita não prevista no processo licitatório deveria ser usada para reduzir a tarifa ao consumidor.
O Decreto 2003/96 estabelece que os contratos de concessão e as autorizações, nos caso de operação integrada, "definirão o montante de energia anual em MWh e a potência em MW que poderão ser comercializados ou utilizados para consumo próprio e montantes que poderão ser alterados". Essa definição, que acrescenta uma incerteza para o investidor, uma vez que não estabelece, claramente, a quantidade de energia que ele poderá comercializar, ilustra o grau de complexidade da questão.
Qualquer nova usina licitada deverá absorver o incremento de energia garantida que sua entrada provoca no sistema integrado. Essa energia poderá ser utilizada para os contratos de suprimento, tendo uma chancela de garantia do sistema integrado e será constante pelo período da concessão, a menos da ocorrência de outros fatores, como:
a. Projetos de utilização do recurso hídrico (irrigação, abastecimento d,água e outros) não previstos no estudo de viabilidade até a data da publicação do edital. O reflexo sobre os integrantes do sistema integrado ou sobre apenas as usinas afetadas pela perda de afluência pode ser controverso.
b. Alteração da topologia do sistema integrado incrementando significativamente a interligação entre os subsistemas. Um exemplo importante seria a interligação Nordeste-Sudeste acarretando uma gestão energética distinta da atual. Acrescentar-se-ia ao sistema aproximadamente 800 MWmed Nesse caso, a solução seria rever as energias garantidas de todas as usinas integradas, distribuindo-se o ganho proporcionalmente. Há uma corrente que defende a atribuição dessa energia à linha de interligação.
c. Alterações dos parâmetros previstos no edital que comprometam a performance do projeto inicial. Vários casos podem ocorrer, desde aqueles por responsabilidade do licitante até outros por imprevistos no projeto. Cada caso deve ser estudado separadamente, buscando atribuir o ganho/perda extra ao sistema ou à usina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário